C.H | Incomplete. | Capitulo 1.

Incompleta.

 "Tenho medo de acordar e perceber que o pesadelo é real."
— Marcio Jung


Gostaria de dizer que nunca em minha vida fui capaz de sentir a dor sufocante e dilacerante da perda, mas para minha infelicidade hoje eu sei, e senti a mesma da forma mais cruel possível. Perder um conhecido, um parente distante ou um grande amigo é ruim, mas perder alguém com quem se convivia diariamente, uma pessoa pela qual se nutria sentimento forte de afeição e amor é destrutivo. 
Naquele mesmo dia, quando o relógio marcava três da madrugada eu havia mais uma vez despertado de um pesadelo horrendo,sentia-me frustrada e desalentada. Havia sido desta maneira desde a morte do Senhor e Senhora Parker em um acidente de carro á exatos dois meses atrás, os dias se passaram, mas a dor permaneceu como na primeira noite após o acidente e a morte do casal, na mais dolorida e cruel intensidade.  Me sentia terrivelmente sozinha, e a companhia de May e Roger (O cachorro) já não estavam mais compondo o meu dia e preenchendo um pouco do espaço enorme que havia se formado em meu coração depois da morte do casal. 
Minha aparência de jovem no auge de seus vinte e cinco anos , agora estava cansada e abatida e eu já não conseguia manter minha alimentação regrada de antigamente, cuidava de May , mas não tinha forças nem ânimo para cuidar de mim, e seguia meus dias tristes na esperança de que houvesse cura pra dor insuportável que sentia dentro de mim. 

Psicologimente doente e fisicamente  destruída. 

Minha maior fonte de energia tem sido a linda menina de apenas sete meses de nascida, e olhos verdes brilhantes; May, o motivo da minha existência desde os ocorridos. 
 Fato que, ninguém é substituível e por este mesmo motivo a minha vida não tem sido a mesma, porque se existisse alguma forma de preencher o vazio dentro de mim pela falta da minha outra metade, eu certamente já o teria feito.  Outra metade está que havia sido levada em um acidente fatal, os mesmos que me acolheram quando mais precisei; Estes se tornaram minha outra família que fora como se tivesse sido a primeira. 
Eu vi a dificuldade do casal e a tristeza dos mesmos por não conseguirem ter filhos, eu assisti as alegrias, estava lá quando os mesmos se sentiam entristecidos por simplesmente não conseguir ter o sonho e conquistar algo tão natural e primordial em nossos dias, dias quais é quase impossível encontrar alguém que valorize o real sentido de “família”, a minha verdadeira é a prova disto.  É ruim quando se perde pessoas valorosas e de grande significado para nós, é grande a dor da perda, e a pior parte de todo este “processo”, é ter que conviver com ela. 
Eu acordo com esta dor, eu cuido de May com ela, eu tomo café da manhã acompanhada dela, eu arrumo a bagunça da casa com ela. Até as coisas mais simples do dia a dia me fazem lembrar da ausência da minha outra metade, tento me distrair, mas, por causa DELA sou incapaz.
E o pior e mais cruel de tudo isso, é que não existe remédio capaz de cura-la porque, nunca estamos preparados para o impacto que a mesma causa em nossas vidas, e isto tem se tornado devastador.
 Lembro-me perfeitamente do dia em que Senhorita Lillian declarou todo o seu amor por Senhor Clark na mesa do jantar e depois lhe mostrou os exames que havia feito no mesmo dia que comprovavam sua tão recente gravidez de quinze dias, lembro dos olhos do senhor a lacrimejarem e as lagrimas se formarem no canto dos mesmos, eu vi a alegria esparramada em forma de singelas gotas de lágrimas no rosto do casal, o abraço apertado o beijo molhado que eu prendia a certeza de que tinha gostinho de vinho tinto, lembro-me vagamente dos olhos verdes de Senhorita Lillian a me fitar por de cima pelo corrimão das escadas, e do quão enrubescida havia ficado por aquele momento de flagrante, e ao notar minhas bochechas avermelhadas suas sobrancelhas se franziam ao mesmo momento que Senhor Clark observava a mulher observar; Provavelmente, imaginando o quão linda estava, e o quanto mais, ficaria grávida. O par de sobrancelhas agora, erguidas e os lábios repuxados, diziam algo que somente eu e Senhor Clark éramos capazes de interpretar “Você está perdoada”. 
O abraço da mulher que me apertava de uma maneira deliciosa e me provava apenas uma coisa que eu aprendi por conta da mesma; Ainda é possível amar, e ser amado. É possível encontrar uma família e conseguir espaço dentro dela, fazer parte de uma vida. 
No dia em que May nasceu à alegria não faltou, estávamos todos extasiados e se pudéssemos medir o grau de felicidade naquele momento, certamente não existiria mais o medidor. E, então acordar de madrugada, ajudar Senhorita Lillian em seus primeiros dias depois do nascimento do bebê se tornou algo natural, não fora como se tivesse sido forçada a ajudá-la, foram momentos que se misturaram com o amor e a alegria em cumprir e fornecer a companhia desejada e precisada, qual a jovem mulher necessitava pelo fato de simplesmente não ter ninguém para fazê-lo. Eu passei de “ajudante” a “babá” deixei de pegar fraudas à por fraudas, deixei de pegar a mamadeira, a fazer a mamadeira. E muito pelo contrário do que algumas pessoas pensam ser “estressante” e “cansativo”, ajudar Senhorita Lillian a cuidar de May, se tornou mais que cuidado e interesse em não deixá-la cansada, ou amor por ela; Tornou-se privilégio e amor pelo bebê também. À medida que os meses se passavam, meu cuidado e caridade por May Parker aumentavam gradativamente. E de repente já havia se tornado parte da minha vida levantar todos os dias por voltas das sete da manhã para preparar a mamadeira da bebê, descer as escadas com os pés quentes sobre o azulejo gélido e o corpo se arrepiando a medida que a brisa da janela entre aberta da casa batia sob minha pele quente, olhar em volta e perceber que o café da manhã já estava na mesa, e o cheiro de perfume masculino e feminino de Senhorita e Senhor Parker se fundindo no ar, sabia que o casal necessitava partir novamente para as tarefas rotineiras e aos cuidados para com a empresa, e que seria impossível fazer isto com May Parker, ainda tão nova. Era difícil ficar com o bebê por conta da dependência e da falta que sentia da mãe, mas com o tempo aquilo já não parecia ser mais tão inalcançável e May passava a se comportar em minha companhia sem a mãe ao seu lado todos os momentos. 
Eu era capaz de arrumar a casa depois do almoço (quando a mesma já estava dormindo) e cuidar de Roger como de necessidade. Eu tinha consciência de que não eram tão necessários tantos cuidados para com a casa e o cachorro. E o casal cismava dizer que não era extremamente preciso a minha preocupação com os afazeres domésticos, mas eu sentia que aquilo era mais que uma obrigação, e por conta deste pensamento eu completava todos os afazeres. A casa era feliz e repleta de harmonia e paz, as flores cresciam e se afloravam na primavera, o jardim sempre bem regado e cuidado por Lillian, e a grama verde sempre bem cortada por Senhor Parker aos domingos ou sextas. Aquela felicidade que reinava na casa agora já não existia mais. Um dos maiores fornecedores de alegria havia sido destruído e agora estava enterrado, este pensamento por muitas das vezes me assustava e me deixava tremendamente atordoada, me sentia só e por diversas vezes incapaz de prosseguir. Já tentei arrumar a casa, ligar as lâmpadas e fazer uma faxina em geral, mas a mesma sempre parecia escura e sombria, as madrugadas eram sempre repletas de medo e quase sempre “cochilava” com Roger em meu encalço. May dormia comigo agora, mesmo assim o bebê inofensivo grudado em meus braços não seria capaz de mandar embora a dor e o sofrimento que dormiam comigo todos os dias depois dos ocorridos.
Durante todo este tempo Abigail (amiga de Senhorita Lillian de anos), tem me ajudado a sustentar May e até mesmo a mim, eu sabia que isto não poderia continuar por muito tempo, sabia também que teria que encontrar meios para continuar a vida, e estava tentando pensar numa forma de leva-la.  
E na calada daquela madrugada, ouvindo apenas o barulho dos galhos secos se chocando por entre a janela e o barulho interno de meus pensamentos eu tentava encontrar maneiras de continuar. Eu tinha planos de me mudar, mas como? Se toda a herança ficará trancada à May e só poderá ser retirada quando a mesma completar sua maior idade? Eu precisava ajeitar a situação e seguir a vida mais saudável, esquecer esses traumas e sair desta casa que me força todos os dias a lembrar de momentos que agora eu desejo esquecer para sempre. Infelizmente, eu teria que acordar a garota guerreira que eu havia esquecido dentro de mim, e voltar a viver; Agora eu tinha mais um motivo pra continuar e eu precisava garantir a segurança de uma vida que quer sim ou não, fora depositada em minhas mãos.


E naquela madrugada fria, vi entre o vidro da janela o jardim que outrora fora bem cuidado por Senhorita Lillian; As lembranças começaram a correr soltas por minha mente e a vontade de chorar agora era evidente, de repente as lágrimas já rolavam soltas por minha face.
 Precisava tomar uma atitude, precisava me livrar de vez dos laços de lembranças que me envolviam de uma forma esmagadora. Andei de pressa por entre o corredor sentindo os meus pés pisarem em lágrimas que eu deixava cair entre o percurso. O estomago doía enquanto eu pensava por um momento em... Morrer, esquecer quem um dia eu fui e me deixar ser vencida pra sempre, mas, existia algo que ainda me fazia voltar ao real sentido; May.
 Me perguntei se ela viera para a minha morte ou para minha vida, porque morrer acabaria com meu sofrimento, e a deixaria com todo o peso para sempre, mas viver só o aumentaria o meu a cada dia mais. Desci as escadas rapidamente, às vezes trocando um pé pelo outro por conta das lágrimas que embaçavam a minha visão, quando o último degrau ,-que eu imaginava ser o último- não se foi sentido, o meu corpo foi direcionado ao chão senti quando meu joelho baterá bruscamente no mesmo, e uma dor incurável se fez notar na região de minhas costelas, as lágrimas de tristeza se misturando com as de dor e o rosto contorcendo-se em uma careta, mais lágrimas. Reprimi um gemido alto, encontrei forças, - as quais só existiam dentro de mim- e me arrastei até a cozinha, segurando na mesa de mármore que ficava no centro do cômodo fui mancando até a geladeira, depois de encontrar água e depositá-la no copo que estava em cima da pia, bebi a mesma com as mãos tremulas e uma das pernas dobrada, -onde outrora estava meu joelho dolorido, a dor naquela região era especularmente terrível, e eu era incapaz de mexer o mesmo- Com muita dificuldade e com lágrimas secas no canto dos olhos, me dirigi até o sofá da sala me jogando no mesmo, sabendo que seria incapaz de subir as escadas novamente.
Na mesma manhã do mesmo dia eu despertei mais cedo do que o esperado, o joelho ainda doía como mais tarde e por este mesmo motivo fui impulsionada a tomar algum remédio para amenizar. May ainda não havia acordado, então, tive tempo suficiente para tomar um banho rápido e comer, - com muita dificuldade- alguma coisa. Preparei sua mamadeira como o de costume e me deitei novamente, não esperava que fosse pegar no sono, porém lembrei-me por um minuto de consciência, do remédio que havia tomado e, então, apaguei.

A campainha tocava insistentemente, nos primeiros toques me neguei mentalmente a atendê-la, mas de repente aquilo já não era mais algo tão desinteressante. A pessoa do outro lado batia com mais intensidade, e por algum momento senti medo, curvei minha cabeça à frente tentando captar algum som, até ouvir um “Chelsea, abra logo esta porta!” conclui minhas interrogações. Tombei minha cabeça para trás rolando os olhos e bufando alto, encaixei meu joelho ferido entre os espaços do sofá e deixei o outro fora do mesmo, fechei os olhos tentando de uma maneira tranquila pegar no sono novamente, mas o barulho lá fora aumentava na medida em que eu me esforçava ao máximo para tentar realizar tal ato. Meu esforço foi em vão quando ouvi o barulho estranho da porta sendo chocada contra a parede, arregalei meus olhos ao ver um Caleb irritado andando até mim com os pulsos cerrados e o maxilar também, franzi o cenho sentindo a raiva e o ódio topar cada célula do meu corpo e de repente a dor fora substituída pela ira incessante.

- Por que fez isso? – disse, sentindo vontade de me levantar e esmurrá-lo até que não pudesse me restar nem um resquício de sanidade.

-POR QUE NÃO ABRIU A DROGA DA PORTA?- Seus olhos claros transpareciam a raiva que sentia no momento, e eu, com os meus quase faiscando era capaz de notar isto.

-ERA PRECISO ARROMBÁ-LA POR CAUSA DISTO?- Perguntei impaciente. Vi quando ele se aproximou mais de mim, notei seus músculos tensos e seus olhos vidrados em meus olhos, e por um segundo, ou melhor; Milésimo... Senti medo.

-cale. a. droga. da. sua. boca!- Ele sibilou lentamente. Eu jurava que era impossível sentir mais raiva do que já estava, mas, depois deste instante anterior presumi que sim! Era possível irar-me mais do que anteriormente. Levantei-me tombando, o ódio que sentia era capaz de eliminar qualquer dor que estivesse sentindo, vacilei por um único instante e Andrew pareceu notar, porém não desisti de me achegar mais próximo do mesmo até que fosse capaz de sentir sua respiração em meu queixo.

-Escute aqui -, apontei um dedo em sua direção-, não me mande nunca mais calar a boca. –Ele riu em direção a cozinha e aquilo bastou para que eu me irritasse ainda mais.

-Senão vai fazer o que? – Ele perguntou ainda rindo irônico e eu permaneci na mesma posição de orgulho, pronta pra atacá-lo da maneira que ele não esperava.

-Experimenta me mandar calar a boca mais uma vez-, disse. E no mesmo instante Caleb pareceu compreender e encurtou o sorriso, mesmo assim não o deixou ir embora por completo, eu já deveria saber. -, Não deixo nunca mais entrar nesta casa.

-A casa não é sua. -Ele afirmou sério. 

-Independete. - Rebati. 

-Isso tudo, é de meu irmão e daqui a alguns dias ... - O interrompi .

-O que veio fazer aqui ? - Perguntei, lembrando-me que Caleb não havia dito desde que chegará o motivo de sua visita. Ele calou-se por um momento depois voltou a falar com um riso preso nos lábios finos.

-Está preparada? – perguntou com a mesma expressão.

-Para o que? -, questionei quando ele deu as costas para mim. Deixei que minha preocupação transparecesse mesmo que soubesse ser um erro gigante.

-Para deixar de tirar May de mim?- O mesmo se virou fitando os meus olhos preocupados, droga!

-Nunca lhe impedi de vê-la! -, berrei com a voz embargada, ele havia me ferido desta vez.

-Sério? – sua voz aumentou de nível, e eu vi quando o mesmo se aproximou de mim. Estremeci -, E O QUE ESTÁ FAZENDO É O QUE? – Caleb se dirigiu o mais próximo de mim, lamentei-me mais uma vez pelo joelho dolorido que me impedia de movimentar e só restou cair em cheio chocando-me no sofá com brutalidade. Ele estava muito maior que eu agora.

-O QUE VAI FAZER?-, Gritei sem poder controlar a raiva, e a curiosidade que se misturava drasticamente com o medo. Caleb se afastou de mim, virando de costas e deixando-me por um instante na companhia do silêncio e o barulho dos pensamentos contritos que se chocavam em meio a duvidas adversas.

-Estou entrando com um pedido da guarda de May. -  virou-se fitando meu rosto que se encontrava sem expressão alguma, em quanto eu tentava de alguma forma encontrar o significado daquelas palavras -, esta frase poderia ter diversos e mais diversos significados, menos o que eu temia que realmente tivesse. Aquilo era o choque do “não quero entender” com a realidade que eu teria que aceitar de qualquer forma. – Você pode perder a menina,

Para sempre. 

2 comentários:

  1. Olha, não vou mentir. Sofri lendo esse capítulo, assim como da primeira vez. Não importa. A emoção continua sendo a mesma.
    Você entende Ruth? Entende o desequilíbrio emocional que causa em mim? 10 anos podem passar e eu continuarei a me emocionar com qualquer coisa que venha de você. É como um estigma (estigma bom, vale ressaltar).
    Eu senti muitas coisas quando entrei aqui, mas o sentimento predominante foi alegria. "Arre égua, Ruth Nara está de volta. E ela não veio sozinha", pensei.
    Se eu me senti imensamente feliz, tenho certeza que você se sentiu ainda mais.
    Tenho consciência do quanto essa história é importante para ti. Tenho consciência de toda dedicação que você tem com a mesma. E se significa tanto para você, significa muito para mim também. Bem vinda de volta. Eu lhe amo. ❤

    Ps: Desculpe a demora.

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  2. Olha, não vou mentir. Sofri lendo esse capítulo, assim como da primeira vez. Não importa. A emoção continua sendo a mesma.
    Você entende Ruth? Entende o desequilíbrio emocional que causa em mim? 10 anos podem passar e eu continuarei a me emocionar com qualquer coisa que venha de você. É como um estigma (estigma bom, vale ressaltar).
    Eu senti muitas coisas quando entrei aqui, mas o sentimento predominante foi alegria. "Arre égua, Ruth Nara está de volta. E ela não veio sozinha", pensei.
    Se eu me senti imensamente feliz, tenho certeza que você se sentiu ainda mais.
    Tenho consciência do quanto essa história é importante para ti. Tenho consciência de toda dedicação que você tem com a mesma. E se significa tanto para você, significa muito para mim também. Bem vinda de volta. Eu lhe amo. ❤

    Ps: Desculpe a demora.

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